O Relatório Mundial sobre a Juventude 2005, divulgado pela ONU no mês passado, revelou o quanto é difícil ser jovem no mundo urbanizado e globalizado, especialmente quando se vive em países em desenvolvimento como o Brasil.
Além dos números, mas sem perdê-los de vista, o documento permite ao leitor mais sensível avaliar o tamanho do desperdício de talentos, de sonhos e de energia de mudança que vem ocorrendo por falta de melhores oportunidades de educação, trabalho e lazer.
De um total de 1,2 bilhão de jovens em todo o mundo, 200 milhões sobrevivem com menos de US$1 por dia, 88 milhões não têm empregos, 10 milhões foram contaminados pela Aids e populações maiores que as de muitos países começam a beber cada vez mais cedo, estão mais vulneráveis a conflitos armados, à violência sexual e às doenças sexualmente transmissíveis – pessoas com idade entre 15 e 24 anos representam hoje a metade dos novos casos de contaminação do vírus HIV.
Este é um quadro que exige decisões urgentes de governos, empresas socialmente responsáveis e organizações de terceiro setor. As medidas necessárias são bastante conhecidas. Ninguém, em sã consciência, discorda delas. Ou os países aumentam seus investimentos em políticas públicas voltadas aos jovens, ou continuaremos reduzindo a pó os ideais de uma geração que pode fazer do mundo um lugar melhor para viver. Mas é preciso que sejam políticas públicas propositivas e não reativas. Na maioria dos casos, a juventude só se torna objeto de uma quando associada a estereótipos negativos, como a delinqüência, a violência e o abuso de drogas. Jovem é solução e não problema. É investimento e não despesa. É ativo e não dívida social. É protagonista e não coadjuvante.
O que ele quer e precisa é de políticas que lhe assegurem uma escola acessível e de qualidade, formação profissional adequada, oportunidades dignas de trabalho e renda, alternativas de lazer saudável e aconselhamento sobre reprodução e saúde sexual. O jovem necessita de apoio, atenção e perspectivas de auto-realização.
Sem este mínimo, nada garante que ele deixará de ser objeto de estatísticas preocupantes e vítima preferencial de um ciclo vicioso que, a rigor, compromete o futuro dos países. Ciclo, sim, porque é uma situação que se arrasta e tem piorado ao longo do tempo. Vicioso, sim, porque os seus efeitos não interessam a ninguém. A sociedade perde com eles. O mundo perde com eles. Ou eliminamos as variáveis que ajudam a manter este ciclo, ou não poderemos garantir aos nossos jovens direitos básicos de cidadania.
O estudo da ONU mostra ainda que a maioria dos problemas atinge indistintamente os jovens do mundo inteiro. O quadro, no entanto, é mais grave nos países em desenvolvimento. Vejamos a situação no Brasil – segundo o Dieese, 1,6 milhão de jovens procura e não encontram emprego nas principais capitais brasileiras; cerca de 7 entre os 10 jovens mais pobres não conseguem trabalho porque não estão qualificados para ocupar as funções existentes. Jovens sem educação e trabalho estão condenados ao subemprego, à sub-cidadania e, por tabela, a uma espécie de sub-vida, marcada pela ausência de perspectivas e de ambições positivas. São os filhos que a ONU chama de uma “cultura impulsionada pela mídia”; não podem aspirar aos bens e valores cultuados por esta mesma mídia e, o que é mais grave, acabam perdendo um dos mais nobres direitos relacionados à natureza humana: o de sonhar. Não surpreende, portanto, que os jovens sejam hoje as principais vítimas da violência no país, das mortes por armas de fogo, das guerras entre torcidas de futebol e das brigas de gangues.
Se já sabemos o que é necessário fazer para romper o ciclo, é hora de fazer. Que os governos, em suas três instâncias, associados às empresas e organizações da sociedade civil, integrem esforços e recursos nessa direção.
Em nome do futuro do país e do futuro do mundo, precisamos urgentemente de políticas públicas para a juventude.
( * ) Embaixadora da Boa Vontade da Unesco. Presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) e do Instituto Itaú Cultural.
Tribuna de Alagoas - AL Data 26/11/2005