A chave do crescimento sustentado não se encontra apenas na seara dos dados econômicos.
Estamos passando por um momento de especial euforia com a elevação de 5,3% no conjunto das riquezas produzidas pelo país. Essa boa nova tende a produzir um foguetório que tem tudo para ofuscar nossa visão de longo prazo e os desafios que se apresentam no horizonte.
O recado é simples: os resultados que estão aí são bons, merecem ser comemorados, mas temos uma trajetória longa a percorrer. A chave do crescimento sustentado não se encontra apenas na seara dos dados econômicos. O nosso futuro depende também de outras questões essenciais, e uma delas é justamente a capacitação e a qualificação de nosso capital social, por meio da educação.
O problema é que o tema ainda parece não ter entrado na pauta das discussões nacionais como deveria. Estamos acostumados a vasculhar cotidianamente informações sobre a produção e sobre o câmbio, debatemos com ânimo as contas externas, a trajetória dos juros e as questões da infra-estrutura em busca de uma luz para nosso desenvolvimento, mas dedicamos muito pouco tempo à discussão dos dilemas educacionais enfrentados pelo país. E nesse campo, de fato, ainda temos obstáculos enormes a superar.
Relatório sobre a situação da educação no mundo, divulgado no início de novembro pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), dá alguns indícios do tamanho do problema.
Segundo a entidade, o Brasil se situa numa modestíssima 72ª colocação – num ranking de 127 nações – quando o assunto é fornecer boa educação aos cidadãos, o que demonstra que estamos longe de conquistar espaço entre os países que alcançaram a excelência no segmento e que hoje dominam o cenário econômico mundial.
Entretanto, segundo o estudo, o Brasil vem avançando ao colocar na escola, ao longo dos últimos anos, a quase totalidade das crianças que têm entre 7 e 14 anos, apesar de não estarmos conseguindo reter as crianças nos bancos escolares após a quarta série do ensino fundamental, o que nos coloca atrás de países como Peru e Equador no índice de desenvolvimento educacional produzido pela instituição.
Na avaliação da Unesco, o Brasil ainda faz par com países como Suriname e Nicarágua ao iniciar o ensino formal das crianças quando elas têm sete anos, sendo que, na maioria das nações, as crianças iniciam seus estudos aos cinco ou seis anos de idade. Pelo levantamento, também não mantemos as crianças estudando o tempo necessário para que elas realmente adquiram conhecimento. Nossas crianças permanecem na escola diariamente cerca de quatro horas e 15 minutos, sendo que o recomendado seria algo em torno de cinco horas.
Esse quadro produz conseqüências que merecem nossa atenção. O estudo 3° Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, realizado em 2003 pelo Instituto Paulo Montenegro, do Grupo Ibope, revela que somente 25% dos brasileiros que têm entre 15 e 64 anos demonstram habilidades plenas de escrita e leitura. Ou seja, conseguem ler textos relativamente longos, localizar neles diferentes informações e estabelecer correlação entre elas. O restante da população não chega a tanto.
Segundo o levantamento, 8% encontram-se em estado de analfabetismo total, 30% têm um nível de habilidade muito baixo (“capazes de localizar informações simples em enunciados com uma só frase”) e 37% conseguem localizar só uma informação em textos curtos, indicando alfabetização apenas básica, de pouca utilidade num mundo cada vez mais sofisticado.
Se não transformarmos a realidade descrita até aqui, não há como esperar que o crescimento do PIB que tanto comemoramos há poucos dias se transforme numa realidade de longo prazo. Para que o país cresça de verdade e de forma contínua, precisamos de mão-de-obra qualificada, de trabalhadores instruídos, de consumidores preparados – e isso só construiremos com investimentos maciços em nosso capital humano, em nossos talentos.
O brasileiro é de uma criatividade incomparável. Somos flexíveis, adaptáveis, inovadores, talentosos, arrojados e, mesmo na adversidade, mostramo-nos capazes de realizar grandes proezas.
O que precisamos agora é garantir que todo esse estoque de boas qualidades seja estimulado, lapidado e preparado para um futuro em que o conhecimento será cada vez mais requisitado, convertendo-se em elemento fundamental no cenário da competição global. Sem isso, vamos continuar soltando rojão sem ter o que comemorar.
Milú Villela, 58, empresária, é presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) e do Instituto Itaú Cultural.
Folha de S. Paulo – SP Data 16/12/2004